Baseando-se no relato do capitão-de-mar-e-guerra Max Justo Guedes, diretor do Serviço de Documentação da Marinha, foi no Rio dos Frades, no litoral sul da Bahia, que a esquadra de Pedro Álvares Cabral desembarcou em 22 de abril de 1500.
Não é difícil imaginar a cara do navegador, confinado há meses em uma caravela do tamanho de uma casca de noz, ao aportar naquele cenário: céu, mar, areia branca e muito verde. Arriscaram-se terra adentro até chegar quase à nascente, pertinho do Monte Pascoal. E foi descoberto o Brasil.
Como os interesses de Portugal eram outros, Trancoso – que antes chamava-se São João Batista dos Índios – ficou lá, encarapitada no alto da falésia, crescendo lentamente ao redor da igreja de São João Batista, erguida por volta de 1650.
Esquecida no tempo durante séculos, até que nos anos 1970, um grupo de “hippies” descobriu o mesmo paraíso de Cabral e por ali se instalou.
Compraram terras, trechos de praia, construíram casas e prometeram manter a até então aldeia de pescadores, intacta como nos primeiros tempos.
Trabalharam pelo tombamento pelo Patrimônio Histórico e Cultural da praça central, foi proibida a entrada de carros no Quadrado e todas as casas mantiveram suas fachadas originais restauradas, nenhuma das árvores nativas, as amendoeiras e a famosa Eugenia, foram tocadas. E aquelas que caíram, tiveram sua madeira aproveitada na manutenção das casas.
E Trancoso – que já foi chamada de Troncoso, lugar de troncos – foi virando o centro das conversas.
Esse lugar irreal e fantástico precisava de pousadas e restaurantes para atender quem vinha conhecer a vila (o Capim Santo foi um dos primeiros), o artesanato local (Calazans foi um dos pioneiros) e começou a fazer sucesso.
Terrenos foram vendidos, condomínios formados, casas construídas, e o espírito rústico-chique-confortável tomou conta do pedaço. Algumas regras foram estabelecidas para não descaracterizar o lugar, não só no Quadrado, mas também na praia. E hoje Trancoso é uma vila de fama internacional, frequentada por bacanas do mundo inteiro, que buscam beleza, conforto e ótima comida. E o espírito e a magia que Trancoso soube manter.
Restaurantes, pousadas e hotéis: os clássicos de Trancoso
Como em todas as cidades pequenas, médias e grandes do mundo, existem restaurantes, pousadas e hotéis que sempre estão em alta, que resistem ao tempo e nunca perdem a qualidade.
Restaurantes locais já existiam pelo Quadrado, com mesas à sombra das árvores e deliciosas moquecas de peixe ou camarão, peixes fritos e “pfs” como a famosa Silvana, ou as barracas da praia dos Nativos que também mandavam muito bem, mas faltavam lugares mais transados, com outra pegada.
Silvana, filha de seu João de Antídio, figura querida na comunidade, instalou em 1980, na porta de sua casa, mesas à sombra das árvores do Quadrado, onde passou a funcionar o restaurante Silvana & Cia, que servia a melhor moqueca do sul da Bahia.
Anos mais tarde, a irmã abriu no vizinho o Vitória, hoje com a casa pintada de pink, que serve uma deliciosa culinária regional.
O Capim Santo foi o primeiro restaurante a abrir em Trancoso, por uma moçada de fora, que tinha escolhido se instalar no pedaço, compraram um terreno grande no fundo de um beco bem pertinho do Quadrado. No começo, na cozinha ficavam os donos, Sandra e Nando, que mandavam super bem e revisitaram a culinária brasileira com muita sabedoria.
Foi nessa cozinha que Morena Leite cresceu e aprendeu tudo o que sabe para transformar o Capim no sucesso que é fora de Trancoso. Alguns anos depois a dupla inaugurou a pousada Capim Santo, rústica-chique e muito confortável.
Com o passar do tempo vieram reformas e o Capim Santo só ficou melhor e mais gostoso. Em todos os sentidos: gastronomia e pousada.
Algum tempo depois foi a vez da Dora, baiana arretada e cheia de charme, abrir o seu Cacau, um restaurante charmoso, simpático, com excelente culinária brasileira, que faz questão de introduzir sabores de outras culturas em suas receitas (experimente o Ceviche).
O astral baiano da arquitetura toda aberta e da decoração fizeram do Cacau um dos mais requisitados, inclusive para festas de casamento.
E o tempo passou na Pacata Trancoso
Implacável, os dias, meses e anos foram passando na Pacata Trancoso. Novos condomínios e casas sendo construídos, muita gente bacana chegando, europeus descolados se instalando, os verões bombando…
E o perfil de Trancoso foi mudando. Foi ficando cada vez mais sofisticado. Para agradar os novos frequentadores, pousadas cheias de charme abriram suas portas de frente pro mar, para o nascer do Sol e da Lua.
Barracas confortáveis foram instaladas para atender o serviço de praia cada vez mais exigente: drinques elaborados, petiscos idem, chaise longue gostosas para se esticar ao sol e sombra para quem preferisse. E deliciosas piscinas para quem não é fã de areia.
A primeira delas foi a Estrela d’Agua, no mais puro estilo rústico-chique-charmoso, verdadeiramente pé na areia. A culinária servida no Aldeia São João, no Bar da Costa e no Sushi são pra ninguém botar defeito.
Seguindo a proposta pé da areia e não a ordem de chegada, Sonia Almeida Prado inaugurou, no terreno vizinho ao da Estrela d’Água, a deliciosa pousada Tangará, um oásis de paz cercado por coqueiros e muito verde.
Além de um restaurante com vista para um lago, e alguns lounges espalhados pelo jardim e pela praia, fazem toda a diferença para descansar ao ar livre ou, para os mais workaholics, trabalhar um pouquinho (eles têm wi-fi). O bar da praia é muito confortável e o serviço impecável.
Trancoso: enquanto isso no quadrado…
As coisas também mudaram com os anos – menos as fachadas das casinhas. A cada ano uma lojinha mais transada abre suas portas. Algumas marcas famosas escolhem Trancoso para passar o verão, restaurantes cinco estrelas deliciam os turistas, pousadas mais do que bacanas se instalam por lá…
Por mais que o Quadrado mude a cada ano, não é todo mundo que é novo no pedaço. Tem quem esteja lá há anos, como a pousada El Gordo, uma das vistas mais privilegiadas do pedaço, no alto da falésia, quase ao lado da igreja, e de frente para a praia, o mar, o nascer do Sol, da Lua.
A pousada não é grande, tem uma piscina que parece pairar sobre a vista, tem poucos apartamentos, e um restaurante que serve tapas deliciosos.
O Uxuá começou como pousada de altíssimo luxo, e aos poucos foi mudando seu perfil, e passou a se chamar Uxuá Casas, Hotel e Spa. Conta com uma culinária divina, um beach point idem e seu café da manhã é dos deuses.
O caminho que leva quem chega até o Quadrado (é proibida a entrada de carros) é hoje quase um mini shopping a céu aberto, como se o Canto Verde tivesse se espalhado para a direita e à esquerda.
A pizzaria Maritaca segue lá firme e servindo as mesmas deliciosas pizzas dos tempos de abertura. É um clássico do lugar e tem uma das melhores cartas de vinho do pedaço.
Calazans, o Calá, foi dos primeiros a descobrir Trancoso. Sua primeira parada foi ao norte de Porto Seguro, nos idos de 1975. Descobriu Trancoso, mudou-se para lá, e começou a fazer cerâmica artesanalmente com a argila colorida das falésias.
De suas mãos saíram objetos singelos para casa, utilitários ou decorativos. E não tinha uma casa em Trancoso que não tivesse uma cerâmica do Calá.
Ele abriu uma loja no Quadrado, e ateliê na rua de trás, e mudou-se de mala, cuia e família para a Praia do Espelho, alguns quilômetros ao sul, onde construiu uma pousada charmosíssima, com poucos chalés.
Dois programas imperdíveis: conhecer a cerâmica do Calá e passar o dia na Praia do Espelho, uma das mais lindas do sul da Bahia, experimentando o sushi da Mel.
Além disso, também a deliciosa culinária tailandesa abaianada da Silvinha (é preciso reservar e, dizem, esse verão é o último, ela vai parar de cozinhar… será?) e se refestelar nas sombras do Baiano, que também tem um restaurante bem bom.
É novo em Trancoso
Mesmo num ano atípico como 2020, por exemplo, sempre tem algo novo acontecendo em Trancoso.
A Apsara é uma das mais novas fashion boutiques de Trancoso. Tem de tudo um pouco, para a praia ou para dar um rolê pelo Quadrado. Fique de olho porque pérolas como essa clutch desaparecem em segundos.
Outra novidade fresquíssima é a abertura, dia 17, da Gallerist (nome dado aquela pessoa que faz a conexão entre artistas e colecionadores a partir do seu olhar do que há de mais interessante). Assim como eles, desde o seu início em 2011, o papel da Gallerist é trazer a melhor curadoria de moda e conteúdo, com foco em marcas brasileiras.
Percebendo a demanda de alguns nichos e, a fim de complementar seu mix de produtos, as sócias Carol, Fernanda, Mari e Amanda Cassou criaram marcas próprias, como Framed, Allmost Vintage, Edamami, Clemence e Linnen, cada uma com um pouco da identidade do e-commerce, e das donas “galeristtes”.
A Gallerist tem a trancosense Gersica Toledo como super gerente, um achado das sócias. A moça tem formação em Design de Moda pelo Senac, experiência em vários setores fashion e no comando de marcas, e o olho treinado para moda, modelagem e vasta experiência nesse universo.
Quem também chegou a Trancoso foi a pop-up Casa Tinga, da empresária mineira Monica Hilal (leia-se Empório Abreu, especializada em artigos para moda e décor de Minas).
Ela traz para suas araras a curadoria de Adriana Bozon, que já foi diretora da InBrands, e vai trabalhar com marcas como Alexandre Herchcovitch, Ellus, Bobstore, entre outras.
Pedaço mais hypado de Trancoso: Outside but not outsider
Eles são o hotel Etnia; o restaurante Floresta, de Fernando Droghetti, o Jacaré, figura mítica da cidade desde que chego – e que leva seu bom gosto para a Comporta, nos verões portugueses.
E a versão beach do hotel Fasano, um complexo gigantesco na bela praia de Itapororoca, com hotel, villas e estâncias, camuflado no meio da mata nativa.
No Quadrado há um petit concierge para todas as informações sobre o Reserva Trancoso, Villas, Estâncias e Hotel Fasano com inauguração prevista para 2021, embora parte do complexo esteja pronta.
A assinatura do Hotel e de parte das Villas é de Isay Weinfeld, que procura criar um diálogo entre arquitetura e natureza, valendo-se de madeira, cimento e pedras brutas.
São 19 Estâncias, o Hotel com 40 bangalôs de 60 a 90 metros quadrados, e 23 Villas (sendo 12 assinadas por Bernardes Arquitetura) residenciais espalhados por uma faixa de areia e mar de 500 metros. O beach club é integrado ao restaurante que leva a assinatura de Rogério Fasano.
O Reserva Trancoso, Villas, Estâncias e Hotel Fasano espalha-se por platôs, sendo que no do Sul estão os terrenos para a construção de projetos próprios, todos com vista para o mar; e no platô Norte ficam as 12 Villas Fasano Trancoso, com projetos de Bernardes Arquitetura, de 792 metros quadrados, e bem distantes um do outro para garantir privacidade.
A Etnia já existe há alguns anos em Trancoso. Fica na saída da cidade, num espaço de generoso verde, e sua proposta sempre foram os bangalôs espalhados pelo terreno, e uma sede com lounge, piscina, restaurante e uma culinária maravilhosa de uso dos hóspedes.
A ideia continua mais ou menos a mesma: a Etnia Casa Hotel combina design sustentável, décor étnico e o conforto de uma casa – são sete casas – com o atendimento de hotel 5 estrelas.
Se você perguntar em Trancoso quem é o Jacaré, todo mundo sabe. Ele já morou em uma casa na praia, já teve loja no Quadrado, abriu um hotel hiper bacana no Quadrado e morou numa casa gracinha bem pertinho e, sua nova empreitada, aberta em 2018, chama-se Floresta.
É um restaurante em uma fazenda de 400 hectares pertinho do Rio da Barra, que serve uma culinária à base de ingredientes locais, sazonais e receitas típicas rurais, num esquema caseiro, sirva-se você mesmo. A novidade de 2019 foi a introdução do toque veggie no cardápio com vários pratos sem proteína animal.
Este ano, Fernando Droghetti, o Jacaré, além de Jandira, a cozinheira de mão cheia de sua casa que toca a cozinha, convidou Patrícia Helú, especialista em culinária saudável, vegetariana e vegana, para fazer parte do staff, e ela pretende incluir sementes e grãos do sul da Bahia em suas receitas.
Vale a pena conhecer por todos os motivos além da culinária: a mata, a fazenda e o jeitão de cocheira da arquitetura e a beleza do lugar.
Querido Trancoso
Uma exigida declaração de amor da nossa viajada redatora ao Querido Trancoso, um dos seus lugares preferidos!
“Sou daquela turma de “hippies” que descobriu o sul da Bahia no final dos anos 1970, segundo a Wikipédia. Cheguei primeiro no Arraial d’ Ajuda. E uma das lembranças mais bonitas que tenho na vida, foi atravessar o rio Buranhém, que separa Porto Seguro do “lado de lá”, de canoa, à noite, sob um céu sem Lua, que era só estrela.
Naquele tempo a balsa, com espaço para dois carros, que cruzava o rio, parava de funcionar às 18 horas. O que me esperava? Não tinha a menor ideia. Estava indo encontrar amigos, numa casa no alto da falésia, de frente para o marzão da Bahia. Simples e linda.
De lá para Trancoso foram alguns anos. E quando descobri aquele Quadrado mais retângulo que conheci, cercado por casinhas coloridas, uma igrejinha antiga de costas para o mar, me apaixonei.
A praia vazia a perder de vista, o mar de vários azuis, a Lua que pulava no horizonte quando nascia, a simplicidade bem tratada… O astral era mágico.
Chegar ou ir embora era uma aventura que dependia da estrada, das pinguelas de madeira sobre os rios, da chuva. Não tinha luz elétrica e as noites eram iluminadas pelas fracas luzinhas dos lampiões das vendas, das casinhas do Quadrado.
Entre tantas lembranças que guardo de Trancoso, duas me tocaram fundo: o som de um saxofone ao cair da tarde; e a volta para casa, no Rio da Barra, na noite de um réveillon, naquela praia enorme, maré seca, eu e a Kiche, minha poodle 4×4 que topava todas e ainda pegava onda, dançando e brincando sob a luz da Lua cheia.
Só posso agradecer a Marta, amiga da vida inteira, que sempre me recebia e me apresentou o sul da Bahia, o ao Dadinho, craque do futebol do Quadrado, amigo do coração, que me abria a casa sempre que eu queria.
Trancoso cresceu, mudou, mas cada tribo ainda encontra o seu quadrado. E mesmo diferente, ainda guarda a magia dos primeiros tempos.”
Maiá Mendonça, diretora de conteúdo do blog High.
Tradições de Trancoso
Por dentro das tradições de Trancoso. Descubra o que acontece por lá.
Não que Troncoso viva um eterno carnaval, mas tirando as datas locais, os festivais de cultura (de música, organizado pelo Mozarteum que costuma acontecer em março, em uma arena que pode ser montada e desmontada rapidamente) ou o Festival de Cinema, que usa a parede branca da igreja como tela).
Ou os casamentos que acontecem na praia, na igreja e nas pousadas, lá se foi o ano, coroado pelo réveillon que veste o Quadrado de branco e tem uma queima de fogos imperdível e depois se estende pela concorrida festa do Taípe, e algumas mais fechadas e particulares.
Ainda pouco divulgada e com suas características preservadas, dia 20 de janeiro acontece a festa de São João, com procissão, pau de sebo e muita brincadeira. Dia 2 de fevereiro é o dia de levar flores e perfumes para o mar, para comemorar o aniversário de Iemanjá. Depois é a vez da música erudita da melhor qualidade invadir a cidade.